“Chega de gozo” senhor Cardoso

Já se ouviu e leu muita coisa sobre a última Assembleia Municipal, nomeadamente sobre os impropérios disparados pelo senhor engenheiro -professor aposentado - educador reformado - candidato a deputado António Cardoso. Não tenho por hábito pessoalizar, fazer uso das características individuais para atacar seja quem for só porque têm opinião muito diferente, mas há muito que percebi que a juventude e o facto de ser mulher têm sido usados para todo o tipo de faltas de respeito.

Mas, neste caso, apesar da idade ter sido sobejamente referida (e não poderia eu devolver o argumento, perguntando se a memória do líder do grupo municipal do PS não terá sofrido com a idade?), a questão é outra. Vê-se pelas teclas afiadas que o senhor Cardoso gosta muito de insultar, de dizer que eu minto, digo disparates, faço “queixinhas”... Ao que parece, agora os eleitos municipais não podem usar sequer dos direitos regimentais. Estranho é vir a acusação de quem vem, que pouco ou nada percebe do regulamento, como ficou visto na campanha eleitoral, quando nem sabia que ele tinha sido revisto, e me pediu a mim, sim, à “jovem que não percebe nada de política”, a versão actualizada... Sim, para o Senhor, exercer um direito é “ser queixinhas” – e, pelo tom ingénuo no limiar da infantilidade, parecia mesmo que estava a ler um miúdo de onze anos chateado porque lhe roubaram o protagonismo na sala de aula. 

Contudo, se o faz, não é por eu ser mulher ou jovem: é por ser da CDU, por dizer verdades incómodas para o PS, e por, reconheça-se... as intervenções da CDU serem incomparavelmente melhores e de longe melhor preparadas do que as do PS. E podem perguntar a quem quiserem: ouvirão isto mesmo. 

Mas, antes de repor a verdade – porque não precisamos de passar pelas coisas para as conhecer, nomeadamente quando dispomos de documentos e os estudamos – vou recordar apenas alguns pequenos episódios, disponíveis em actas perto de si: 

- Este senhor, que quer educar toda a gente, propõe-se também educar a comunidade cigana, porque, segundo ele, eles não são como nós, precisam de aprender. (Os modos de quem? Do dito Senhor Engenheiro esperemos que não seja, livra!) 

- Este senhor, que assume compromissos nas reuniões prévias à Assembleia Municipal, nomeadamente de uso de tempo, no decurso da Assembleia Municipal falta à palavra dada e que ele mesmo propusera, e depois ataca a presidência da Mesa da Assembleia, alegando que não cumpre porque os outros chegam atrasados às reuniões – quando ele próprio também tinha chegado, curiosamente – arranjando assim motivos (???) para justificar o não cumprimento do acordo de cavalheiros (alguns pelo menos) e o prolongar desnecessário dos trabalhos da assembleia. É caso para dizer “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”... 

- São sobejamente conhecidas as trocas de insultos entre o senhor Cardoso e o Sr. Presidente da Câmara, num comportamento que eu própria já, por diversas vezes educadamente pedi que não se repetisse...em vão.

Sim, para o senhor Cardoso é normal e democrático insultar. É normal e democrático faltar ao compromisso. É normal e democrático discriminar comunidades. É normal e democrático dizer uma coisa e o seu contrario (à espera que ninguém repare). Mas sobretudo e mais preocupante, é normal e democrático enganar os eleitores. 

Passemos então à matéria que o senhor Cardoso nunca estudou, e acusa os outros de ignorarem.

O PS não é uma entidade municipal. É um partido nacional, que tem vindo a legislar para todos. E com a publicação do PEASAAR II no anterior mandato, com o Ministro Nunes Correia, o PS obrigou à privatização de toda a água em baixa, para, passada esta fase, se privatizar a água em alta em todos os municípios. O PS criou a taxa de recursos hídricos que todos estamos a pagar (que é uma taxa de disponibilidade). O PS obrigou a que, em caso de investimentos em água e saneamento, fosse o utente a pagar totalmente os custos, como agora está a acontecer. Foi o PS que aprovou a Lei da Água, que permite, por exemplo, a privatização da água. Entre muitos outros exemplos que eu conheci aos 25 anos (será que contam?).

Mas, a nível municipal, basta ler a acta da reunião da Assembleia Municipal de 26 de Julho de 1999 em que se aprovou o contrato de concessão da água. Não sou eu que digo, está lá. O PS defendia a privatização, desde que não fosse entregue à empresa Indáqua, mas Feiráqua (é aqui a mentira?). O PS não votou contra o contrato, afirmando que não tinham lido e não o conheciam suficientemente para se pronunciar, e abandonaram a sala (é aqui a mentira? Se calhar era preferível assumir uma posição do que fugir, não era, senhor Cardoso?). Ficaram na sala os presidentes de Junta do PS (podemos dizer que são responsáveis pelos seus actos, ou não contam?) que se abstiveram e votaram favoravelmente (é aqui a mentira?), resultando num contrato aprovado sem nenhum voto contra (é aqui a mentira?). 

É cansativo ter que explicar ao senhor Cardoso coisas que devia saber porque esteve lá. 

É curial dizer que, na última Assembleia Municipal, apenas abandonei momentaneamente a sala por necessidades fisiológicas (desculpe senhor Cardoso, mas eu não mando na bexiga...). Creio que não terá acontecido o mesmo a todos os eleitos do PS na reunião onde foi aprovada a privatização da água, pois não? É cansativo explicar reiteradamente a este educador como falar bom português. É que, reparemos, é pedagogia insultar pessoas? 

A palavra pedagogia tem origem na Grécia Antiga – paidós (criança) e agogé (educação). Ora, é educar uma criança (ou um adulto) insultá-lo? Não, é falta dessa mesma educação, aprendi eu.

Mas pior do que isso é fazer exercícios semânticos mal construídos de publicação desses insultos, dirigidos já não a mim, mas aos cidadãos, escondendo e omitindo factos, procurando defender uma honra (???) que se calhar nunca se teve, ao longo de tantos anos de exercícios de mandatos no poder local, sem se perceber mesmo as condições de exercício da democracia. Isso sim, é faltar ao respeito aos eleitos, aos eleitores e a si mesmo. 

Era pequenina mas lembro-me bem (já agora, aos quinze anos, senhor Cardoso, já eu estava na JCP, e os jovens já pensam por si nessa idade), do “Chega de gozo, força Cardoso”. Pois é, já chega mesmo de gozo, e talvez o Senhor já tenha idade suficiente para se deixar de demagogias, insultos e falsos argumentos, e, de uma vez por todas, passar a exercer o seu mandato de acordo com a palavra dada. 

Cá por mim, pode insistir, mas eu não traio. Nem com 15, nem com 30, e, espero que nem com a sua idade. No meu Partido, em minha casa, na minha escola, ensinaram-me a ser bem-educada, a falar verdade, a estudar e fundamentar o que digo. A todos estes educadores estou grata, a si, lamento, não por mim, mas por si: pelo que diz, como diz, pelo que escreve, como escreve. Já tem idade para ser diferente. É que, como dizia Aristófanes, "A juventude envelhece, a imaturidade é superada, a ignorância pode ser educada e a embriaguez passa, porém, a estupidez é eterna." 

Lúcia Gomes, eleita da CDU na Assembleia Municipal de Santa Maria da Feira