27 dezembro, 2011

A gestão de coisas, o regresso ao passado

Até há pouco tempo, o Ocidente orgulhava-se de ser um espaço de liberdade, de defesa dos direitos humanos e de direito ao trabalho com dignidade, com regras mínimas de salvaguarda dos trabalhadores dependentes. No caso português, em resultado da revolução do 25 de Abril, constituiu-se um edifício jurídico de direito do trabalho com muitas garantias de defesa dos trabalhadores assalariados.

Com a abertura do mercado ao exterior e efeitos da concorrência decorrente da globalização, este foi merecendo, por parte do patronato, duras críticas por limitações à flexibilidade laboral e à capacidade de pressão sobre trabalhadores menos produtivos. 

Assistiu-se, por isso, e não só, ao longo dos últimos anos, a uma progressiva perda de direitos, que culmina agora, à boleia da crise económica, no aumento do horário de trabalho e na redução abrupta das indemnizações por despedimento sem justa causa.A história do Direito do Trabalho não foi feita apenas de confrontos entre patronato e assalariados. Foi também feita de muitas experiências na organização do trabalho e muitas e variadas investigações em motivação e comportamento psicossocial. Ficou demonstrado que o tratamento desumanizado e mecanicista do ser humano leva, a prazo, a efeitos nefastos de variada ordem: na saúde, nos acidentes de trabalho, na conflitualidade, nas faltas, na qualidade, na criatividade e em muitos outros aspectos por vezes menos claros como suicídios, consumo de álcool e outras drogas, abuso de psicofármacos, desestruturação familiar, etc. Pelo contrário, a segurança psicológica, a humanização e a melhoria das condições de trabalho demonstrou a existência de um retorno positivo dos investimentos nessa área, levando a que os trabalhadores passassem a ser encarados como recursos passíveis de serem potenciados, através da gestão de variáveis psicossociais, com forte impacte na produtividade e na qualidade, muito para lá da gestão simplista e legalista dos ritmos e tempos de trabalho e das remunerações próprios dos primórdios do século XX. 

Quando um contrato de trabalho é percebido como justo por ambas as partes, ele tende a ser bem cumprido. Antevê-se que o aumento do horário de trabalho só venha a ser aceite no plano formal, devido à escassez de emprego, causando enormes tensões no plano psicológico, com efeitos previsíveis na desmotivação dos trabalhadores assalariados, praticamente pondo fim às horas extraordinárias e respectivo corte de rendimentos, incutindo nos trabalhadores o sentimento de estarem a ser explorados e com períodos em que trabalham de borla. Levará a um máximo de instabilidade psicológica e insegurança no trabalho, com a entidade empregadora a poder dispor dos tempos de trabalho, quase onde e como quiser, com efeitos nos ritmos de vida das famílias e respectivas crianças, com manifesta perda de qualidade de vida, num dos países da Europa com uma das maiores percentagens de mulheres que trabalham. 

Acresce que o aumento do horário de trabalho vai ser sobretudo mais penoso para os trabalhadores da indústria, construção civil e agricultura, que são os mais controlados nos tempos e ritmos de trabalho e que menores remunerações auferem, e para quem muitas vezes as horas extraordinárias são um complemento remuneratório indispensável. 

Estamos assim perante um retrocesso civilizacional, deitando-se às urtigas anos de experiência e investigação. Os trabalhadores assalariados passarão novamente a ser encarados como peças orgânicas de máquina, controlados com a ameaça subliminar do desemprego e, com mais ou menos dinheiro, descartáveis a qualquer momento. Simples coisas. 

Já Agostinho da Silva afirmava que só há desempregados quando há emprego. Se não há emprego, não se podem chamar desempregados àqueles que não encontram ocupação, no sentido em que a sociedade humana, à medida que aumenta a capacidade de produção, tende naturalmente a ter menos necessidade do factor trabalho, o que, como consequência, deveria conduzir à possibilidade de aumento do tempo livre para todos. Tal requereria outra forma de organização social e económica que possibilitasse a todas as pessoas participarem no esforço produtivo, tendo emprego, e a criação de outras formas criativas de ocupação dos tempo livres. Ora o aumento da capacidade produtiva tem servido a acumulação selvagem de capital, atirando milhões de pessoas para o dito “desemprego” porque o sistema não necessita delas, em vez de se traduzir em menores horários de trabalho para todos. Vivemos ainda num sistema de produção e acumulação para alguns, quando devíamos passar para um sistema de produção sustentada e distribuição com equidade para todos. Somos peças de uma grande máquina devoradora dos recursos do planeta que só consegue dar emprego a todos na medida em que aumente a sua capacidade destrutiva e poluidora. 

A actual decisão governamental vai ao arrepio do sentido do avanço civilizacional, terá consequências altamente nefastas para quem está empregado e, naturalmente, levará ainda a mais escassez de emprego. Ao contrário do que o governo pensa, os danos que causará não serão recuperados por aumento da actividade económica. A estratégia que lhe dá suporte é errada, primária e altamente nefasta por esgotar energia motivacional. 

Há princípios e valores que não são negociáveis. A dignidade humana não tem preço nem deveria estar ao sabor de interesses parciais. 

Artigo de opinião de António Caldeira, membro do Grupo de Trabalho do PAN sobre Justiça Social

2 comentários:

Anónimo disse...

Bem dito.Já lá vai o tempo em que o trabalhador por conta de outrem podia e exegia.Se o patrão nam lhe agradasse,ou se a remuneração não fosse a seu vêr razuável,~ele mudava,isto é se defacto fosse trabalhador.Veio então o 25 de abril e tudo se alterou.Estamos a colher o que semeamos.Temos milhentos sindicatos para quê,o que se vê é que pouco fazem,em maioria dos casos fazem é muito mal,mas tambem esses em nome dos trabalhadores ~vão enchendo o bucho.

Anónimo disse...

Isto vai muito mau e feio também... O país está a ser entregue "à bicharada" mesmo... Sem ofensa ao PAN claro! O que quero dizer entre muitas outras outras considerações é que me entristece bastante ver tudo a ir por "água a baixo" até o raking de liberdade de imprensa (não sendo sequer de agora) e ou por exemplo e mais grave ainda... Deixamos à dias de pertencer ao grupo de países a terem ou viverem em "democracias plenas"... Pensem todos muito bem nisto... Se ainda conseguirem ou vos deixarem pensar diria eu...
Ainda acredito mas só se todos se mobilizarem num só propósito: Lutar por este e nosso Portugal.
Faço a minha "pequena" parte todos os dias pois jamais vou querer que um dia os meus filhos ou netos digam que o seu pai ou avô fez parte daquele grande número ou grupo dos "Parasitas da Sociedade". Para finalizar e como diria o nosso Grande José Carlos Ary dos Santos:
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
POETA CASTRADO NÃO!
JP