A União Europeia resultou basicamente da necessidade de criar um forte bloco comercial aos dois já existentes na altura: Japão e EUA.
A razão mais profunda consistiu em impedir uma 3ª devastação do Velho Continente. Porém, efectuada (parcialmente e mal) a primeiro fase da União (a integração monetária), verificamos que a Europa oscila e parece periclitar mal surge a (grande) crise financeira de 2008. Seria de esperar que um princípio de solidariedade (presente nos Tratados) presidisse à resistência Europeia às crises: não preside porque o Capital não contém em si mesmo intenções solidárias pelo que só argumentos racionais podem valer a qualquer tentativa de salvação do Euro e, por esta via, da própria União.
Assim, vemo-nos quase da noite para o dia representados abusivamente pelas duas maiores economias do euro, sem qualquer mandato conferido pela União e arrogando-se o direito de decidir por todos os restantes estados da união. Merkel e Sarkosy substituem todas as instituições, todos os «fóruns» democráticos, todos os espaços de discussão e de decisão política criados pela própria União Europeia: eles são a Europa ou assim parece. E supõem estar legitimados para tal porque confiam na aparente robustez das suas respectivas economias. Só eles podem ser a salvação do euro: ninguém lhes perguntou mas eles responderam. Impõe-se, então, uma pergunta básica: França e Alemanha estão mesmo interessadas na União Europeia e na salvação do Euro ou não?
A razão aconselha que deveriam estar. O poder económico da Alemanha e da França (e até de outros países como a Holanda ou a Finlândia) foi possível e está a ser obtido e mesmo reforçado devido à pobreza dos países periféricos. Dito de outra forma: os superavits de uns correspondem aos défices de outros (muitos mais). Essa relação sabemos que é leoninamente agiota: a Alemanha enriquece de várias formas dentro e fora da Europa. Quase o mesmo se passa com a França. Ambos colocam dinheiro no FMI, no BCE e noutras instâncias e emprestam-no com um diferencial de taxa de juro que já é uma fortuna, dados os montantes envolvidos.
Por outro lado, enquanto a Europa definha porque, em recessão, não consegue pagar o serviço da dívida e desenvolver a Economia, ou seja: ou faz uma coisa ou a outra, a Alemanha, nos intervalos ainda se permite encher a crescente ,dominante e deslumbrada classe média chinesa (e não só) com os seus sofisticados e caros produtos. Mas, desiludam-se: a China está a preparar-se para dominar a Europa e, talvez, o Mundo de amanhã. Para isso primeiramente é necessário empobrecê-la. E vai empobrecendo através de uma competição absolutamente desleal.
Enquanto isso, poderosas instâncias de comunicação e de propaganda vendem-nos a ideia de que pertencemos ao clube dos PIGS, uma forma de legitimação de uma situação de desfavor. Nos intervalos que são muitos e diários, os investidores atacam as praças financeiras e compram dívida portuguesa, espanhola, italiana, francesa e agora até alemã a preços cada vez mais baixos porque «alguém» sem rosto sentencia que determinados países incorrem em riscos de incumprimento. E aqui coloca-se desde já repensar o papel das grandes agências de Rating. Afinal, quem as controla? Quem lhes paga? Quem lhes sopra ao ouvido? Para que servem afinal? O que é necessário para acabar com elas? Mas, agora, até as economias europeias mais fortes parecem começar a sentir-se atingidas pelo fenómeno da dívida soberana. Já não são economias débeis como a nossa ou a grega mas também a italiana e um pouco melhor a espanhola.
Perante isto, o que fará a Alemanha? Deixar que as coisas continuem como estão, repelir soluções como os «eurobonds», não aumentar o Fundo de Estabilização Financeira da União? A troco de quê? A verdade é que o princípio da solidariedade não funciona nesta Europa egoísta. Se funcionasse mesmo, a Europa rica transferiria do Centro e do Norte para o Sul e Leste tecnologia soba forma de «know haw», o estabelecimento de parcerias estratégicas inter-regionais tendo em conta o que de melhor se faz em cada país para benefício de todos por forma a tentar, pelo mais rápido desenvolvimento económico daí resultante , uma mais justa paridade inter-estados em relação ao valor do Euro, aproximando as economias a esse valor único não fiduciário mas real, num processo de alguns anos mas que, para quem se diz europeísta, é absolutamente necessário para finalmente podemos falar num bloco credível.
Mas, ao contrário disso, a que assistimos nós? Entre outros fenómenos à procura dessa paridade pela via dos baixos salários e de mais horas de trabalho, intolerável na tal Europa solidária que ajudou a Alemanha no seu processo de reunificação. Mas, a memória dos povos é curta é preciso refrescá-la de vez em quando. Muitos alemães devem assistir, divertidos a esta punição injustificada sobre os países mais pobres da União. Não se dão conta de que estão, a prazo, a cavar a sua própria sepultura. Se o resto da Europa não prosperar, a Alemanhã definhará a prazo e, circularmente, sem uma Alemanha forte não poderá haver uma Europa igualmente forte. Isto, visto genericamente e apenas do lado económico e financeiro. Mas a política deve, a montante disso tudo, comandar o processo de Federalização Europeia, ou seja, tornar a Europa virtualmente como um único Estado, com um governo e com o controlo dos orçamentos e das economias regionais. Isto tão-pouco se faz em meia dúzia de anos mas é necessário começar-se a fazê-lo e já vamos, provavelmente, tarde. Os que se opõem ao federalismo são as franjas do espectros partidários europeus, aqueles que pensam que os respectivos nacionalismos estão acima da Federação, aqueles que pretendem receber sem nada dar em troca. Perderíamos soberania? Claro que sim, mas a Globalização económica e financeira há muito tempo já que no-la fez perder: é uma questão apenas de escala. O processo admito que seja doloroso mas necessário. De contrário, em vez de progredirmos recuaremos em termos civilizacionais.
Hoje, as novas gerações e mais tarde a que lhes seguirão, são muito mais cosmopolitas do que nós fomos: interessa-lhes, não o lugar onde nasceram mas onde podem ter o conforto e a felicidade a que legitimamente aspiram. Fico-me por aqui, para já. Existem outros tópicos igualmente importantes mas que deixo ao cuidado de outros intervenientes.
Henrique Ferreira
Membro da Comissão Política Nacional do
Partido Socialista
Sem comentários:
Enviar um comentário