“No lixo, procuram-se alimentos. A mãe tem a ajuda da pequena filha. Encontram um rádio e ficam contentes. E quem passa não percebe. Procuravam comida e aquilo, o que elas encontram, não se come. Mas o certo é que, como se levassem um banquete escondido debaixo da roupa, a mãe e a menina fugiram dali, muito rápido”.
Este é um texto de um autor português, Gonçalo M. Tavares. Chama-se Lixo. Como alguns têm insistido em chamar ao nosso País. Como alguns dizem que é o que nós, portugueses, somos, porque não nos enquadramos nas percentagens que esses determinam.
E desse “lixo” nasce a austeridade. “Há que continuar a pedir sacrifícios a todos”. Dizia Salazar, repete Passos Coelho. Numa deriva austera de autoritarismo, são cerceadas liberdades, direitos em nome de um pacto que agride todos os portugueses, mas, como sempre, particularmente os mais pobres. Nunca este país viu tantos desempregados. Mais de metade sem subsídio. As crianças perdem o abono de família. Os salários descem e dos direitos pelos quais muitos morreram, morrem agora com a memória de lutas sangrentas. Lutas por 8 horas de trabalho, lutas pela dignidade do ser humano. Tudo isto é a moeda de troca para que PSD e CDS prossigam na senda revanchista de ajustar contas com o passado, com a Constituição e com os trabalhadores.
Ainda esta semana foi divulgado um estudo da OCDE que coloca Portugal como campeão das desigualdades sociais, atingindo o maior fosso dos últimos 30 anos: 20% dos cidadãos mais ricos vivem com rendimentos 6 vezes superiores aos rendimentos dos 20% mais pobres.
No nosso distrito, as promessas feitas, uma a uma, esboroaram-se e são notícias. A Nissan afinal não vem para Aveiro. A Linha do Vale do Vouga vai encerrar. A Rohde encerrou e a Comissão Europeia libertou uns tostões para “ajudar” quem dedicou a sua vida, muitos a sua infância àquela fábrica. E a prometida delegação do centro de emprego a inaugurar no mês de Abril que nunca mais chega. Ali jazem os despojos de uma das maiores fábricas de calçado do nosso pais, com o seu nome ainda em letras garrafais.
Nós, por cá, temos 8880 desempregados registados em Novembro. Elas, mais uma vez e como sempre, são a maioria – 5188 - representando 58,4%. Os problemas sociais aumentam exponencialmente. as poucas fábricas que existem encerram. Enquanto outras são consumidas pelo gigante da cortiça a quem os chamados partidos do arco do poder beijam a mão. Por todo lado temos um cerco de portagens no concelho ao qual os feirenses já não podem pagar, devido à falta de alternativas e necessidade de procura emprego nos extremos do Distrito. O custo da água sempre a aumentar. Saneamento sempre prometido, sempre adiado. Um executivo que, relembro e sublinho, foi nos últimos anos profundamente crítico dos cortes orçamentais. Mas este ano, com o rabo entre as pernas, apenas se diz “fortemente constrangido”. Constrangido pela submissão aos ditames da troika que rouba salários, pensões, subsídios de férias e de natal, sem vergonha e sem punição. “Ao que tem fome e te rouba o último pedaço de pão, chamas-lhe teu inimigo. Mas não saltas ao pescoço do teu ladrão que nunca teve fome.”
Este executivo não é, não pode ser, desresponsabilizado do que se está a passar. Os seus representantes são dirigentes políticos do PSD e não se ouve por aí que discordem destas políticas.
Não é tempo de ser brando com quem nos empobrece a cada dia que passa. Não é tempo de dar margem a quem rouba aquilo pelo que se lutou toda uma vida. E se antes este Executivo era profundamente crítico, como o era há um ano, deveria ser coerente, manter e reforçar essa crítica. Mas não pode. Porque é cúmplice. E porque concorda hoje com aquilo que ontem discordava.
Na verdade, o panorama dificilmente podia ser pior. Sobretudo porque contrasta, e muito, com as mil promessas da campanha eleitoral. À época não faltavam os slogans, o dinheiro, as primeiras pedras e as palavras incentivadoras ao voto: criação/abertura de novos centros escolares, saneamento básico e ligação à rede de água para todos, defesa do meio ambiente. Cedo se percebeu que a realidade objectiva actual do Município feirense prova à saciedade que os seus problemas estruturais não só não foram resolvidos nem atenuados neste período, como se agravaram substancialmente.
Mas daqui, em relação aos documentos distribuídos, a primeira palavra é de reconhecimento. Reconhecimento do trabalho da Divisão Social. Dos esforços incansáveis de equipas de técnicos que dão o melhor de si. No espaço Trevo, na Alpe, no Centro Local de Apoio à Integração de Imigrantes, no Gabinete de Inserção Profissional (e no compromisso que a Câmara assumiu e batalhou para manter), nas iniciativas de teatro comunitário e político, no Ponto P, no Direitos e Desafios, entre outros. Um olhar atento aos projectos de combate à pobreza nos idosos, à criação da bolsa de arrendamento solidário, do gabinete de apoio ao desemprego involuntário e à implementação dos gabinetes para a igualdade entre mulheres e homens, com a respectiva formação aos vários agentes e educadores, o apoio aos cuidadores. Não pode a CDU ser alheia a estes projectos, ao resultado e acção concreta que tem na vida dos munícipes e que não podemos deixar de enfatizar a sua importância e desejar a sua continuidade e aprofundamento.
Mas não podemos esconder que uma gestão coerente, com prioridades assumidas e concretizadas, teria tido hoje resultados diferentes. Diferentes porque em termos de planeamento e ordenamento do território, ano após ano, temos um Plano Director Municipal (o novo nunca mais vê a luz do dia) e o cadastro do parque industrial por actualizar. Não há qualquer apoio à fixação da indústria, aos pequenos e médios empresários e todo o investimento no Município acaba por ser um prejuízo. A redução do IMI, que é dos mais altos dos municípios que nos rodeiam, o abandono da criação de zonas industriais devidamente planeadas, o abandono no investimento nos transportes e mobilidade dentro do concelho e para fora dele. Tudo resultado de prioridades erradas e de um esbanjar de décadas em propaganda, pão e circo que nos trouxeram até aqui.
Não podemos deixar de concordar com reparos e propostas feitas por vereadores do PS na discussão deste Orçamento – a centralização do atendimento ao munícipe é fundamental e pouparia, certamente, recursos à autarquia e aos cidadãos. Não podemos deixar de afirmar a inexistência de políticas de Juventude, alerta que temos vindo a deixar há anos nesta Assembleia a que o PS se junta - o desemprego entre os jovens ultrapassa os 20%. As jovens mulheres são as mais atingidas. Perante isto não existe qualquer estratégia da Câmara para fixar a população jovem no concelho – não há políticas de habitação, de emprego, de associativismo, politicas juvenis transversais que invistam nas novas gerações. É verdade que já mandaram os jovens emigrar. Não só o PSD e o CDS não nos querem no concelho, como não nos querem no país. Este país, não é para velhos, não é para jovens, não é para professores. Qualquer dia, não é para ninguém.
Não podemos deixar de reafirmar há muito a CDU tem vindo a defender: a reabilitação e investimento no Mercado Municipal e nas feiras, com condições para os feirantes (nomeadamente a feira dos 20) e com espaços condignos. É bem verdade que para muitos, será o único sítio onde poderão adquirir os bens essenciais.
E não podemos deixar de denunciar o desrespeito pelas decisões democraticamente tomadas nesta assembleia: não foi criada a comissão de acompanhamento do aterro. Em relação às pedreiras, só a condenação da Comissão Europeia em virtude de uma queixa da CDU fez avançar a criação de uma comissão de acompanhamento. Alertámos para a reorganização administrativa e para a ausência de debate, assunto que para o Executivo não era prioritário mas que atabalhoadamente vem agora o PSD querer fingir que democratiza o processo, que há muito já está decidido nos gabinetes ministeriais.
Os nossos rios continuam sem qualquer intervenção despoluidora, constituindo-se o Uíma, o Inha, o Riomaior, a Lage e o Caster como sendo verdadeiros pontos negros ambientais. A total falta de políticas promotoras de melhor ambiente teve o seu auge num retrocesso civilizacional que foi a diminuição da frequência da recolha do lixo, facto que provocou o aumento de lixeiras a céu aberto nas diversas freguesias, para o qual a Câmara não encontra solução há quatro anos, mesmo quando os sacos do lixo invadem os passeios, sem incentivo à separação e recolha diferenciada dos lixos, como foi já denunciado e comprovado pela CDU em visita a vários locais do concelho.
O Saneamento. Tão falado, tão prometido, tão adiado. As etar que serão sempre para o ano. A conclusão que há anos ouvimos. É para o ano. Recordo-me da primeira intervenção feita por mim nesta Assembleia sobre o Orçamento, nos idos de 2005 em que afirmei que o saneamento estava para a Feira, como o campeonato para o Sporting. Nem o Sporting ganhou, nem o saneamento está concluído. E, entretanto, faz-se tábua rasa de decisões de Tribunais (a que já nos habituou este executivo a achar que o poder judicial não deve ser respeitado) e recomendações da ERSAR. Sr. Presidente – se o tribunal e a ERSAR dizem que a ligação aos ramais não deve ser suportada pelos cidadãos quem é o Sr. Presidente para decidir que são os cidadãos que vão pagar através do aumento dos preços? Que democracia é esta?
A água está mais cara, os transportes estão mais caros, a rede de transportes é altamente deficitária nos percursos e horários, as acessibilidades para cidadãos com mobilidade reduzida permanecem inexistentes, a rede rodoviária está obsoleta e perigosa, as escolas em condições precárias com contentores permanentes, continuamos com centros escolares e jardins de infância, como o de Fornos, onde ainda se mantêm coberturas em amianto, permanecemos numa terra que se deixa ficar para trás.
A crise, madrasta, tem responsáveis: PS, PSD e CDS, com as suas sucessivas políticas de destruição do Estado Social e do Estado de Direito Democrático.
Mas o povo não vai capitular. Não aceitamos estas politicas. As manifestações sucedem-se, a Greve Geral de 24 de Novembro foi significativa em muitos sectores no nosso concelho. Os senhores não podem continuar a fazer com que o povo, principalmente o mais necessitado, continue a pagar pelos vossos erros. Assumam aquilo que é da vossa responsabilidade, o que prometeram a quem acreditou nas vossas promessas, e reponham o respeito que se vai perdendo pela classe política, porque são estes os parcos exemplos que se vão tendo: promessas e slogans, num dia a dia que só piora para quem já muito sofre.
Se Santa Maria da Feira é uma centralidade, o executivo que a transforme na sua prioridade. Para a servir. E não para se servir dela.
14 comentários:
Não sendo comunista, nem é disso que estamos a falar o importante é que todos unidos possamos combater com determinação por valores e direitos fundamentais e que sucessivos governos capitalistas e despesistas têm feito questão de aniquilar e roubar ao país.
Da minha parte jamais me calarão, enquanto tiver olhos para ver, cabeça para pensar, coração para sentir e pulmões para respirar estes lacais e chupistas do povo não terão descanso. Prova disto é que ainda ontem deixei mensagem no facebook de sua excª o Presidente da República. Sim porque é um dos grandes culpados senão mesmo o principal por o nosso país ter acabado de cair para um raking de países que não vivem em democracia plena, isto para não falar que andamos a cair à anos no raking da liberdade de imprensa! Mas nisto a mesma de nada fala! É INADMISSIVEL! Não aceito isto pois os meus avós, tios e pais sofreram noutros regimes muitos "amargos de boca" e não mereciam ver (alguns até já cá não estão) um país a perder dia após dia por caminhos negros e miseráveis! BASTA! O povo tem de dizer basta! JP
Jamais nos calaremos,os cães ladrãmo mas a caravana passa.Não terá sido este o governo que escolhemos?.Afinal o que queremos nós?.Não foi esta a teia que nos montaram com o 25 de abril de 74,e que nós apoiámos?
Cara Senhora Lúcia Gomes
Queria apenas lhe perguntar, estando sempre o PCP representado desde a assembleia constituinte até à actual assembleia da república, nunca ter votado contra os vencimentos dos deputados, dos ministros, dos presidentes da república, votado contra os subsidios de deslocação dos deputados, contra as reformas vitalicias após 2 mandatos, contra as reformas vitalicias dos PR, contra todo o tipo de reformas douradas?
Será porque os políticos em geral não dão tiros nos próprios pés.
Parabéns dr.ª Lúcia,
Acredito na sua força, na sua determinação. Fico muito contente pelo facto de basear o seu discurso em ideais (embora não os partilhe). Sim, é de pessoas com a sua estaleca que precisamos em Santa Maria da Feira. Estou farto de situacionistas, de instalados que apenas querem fazer perdurar o seu bem estar.
onde posso pagar a minha conta da luz? na sede do PCP, ou numa loja dos chineses?
alguém me ajuda?
Se não tiver aviso de corte pode pagar num qualquer pay-shop! :-)
Ainda por cima, é gira!
Não tem nada a vêr, mas se calhar bem a talhe de foice. Falo da deslocalização capitalista da Jeronimo Martins. É o tema do dia. Não a apoio nem a deixo de apoiar, tenho a minha opinião mas não é dessa que venho falar mas sim de uma outra vertente da discussão. Os partidos de esquerda PCP e BE fartam-se de dizer que o governo não taxa convenientemente os capitalistas. Só que, o JM vai para a Holanda porque lá paga menos impostos. E depois os mesmos partidos acham inadmissivel o que JM fez. Em que ficamos?
Antes que o professor Pardal apareça, tirem-me esse BEM daí, troquei o vê pelo bê ou eu não seja tripeiro de nascimento.
Ficamos no seguinte: porque é que eu não posso transferir as minhas poupanças para a Suiça?
Ficamos em: estes senhores têm discursos moralistas, de consumir português, de o que faz falta é trabalhar e não mentir e blá, blá, blá, blá... São tangas, senhor, são tangas!
Ficamos em: pelo menos podiam ficar calados...
As pessoas cansam-se de supostos "inteligentes"!
Eu estou farto é de ouvir ignorantes, e mal educado que basicamente nada dizem.
Parabens a Sra pelo discurso.
Chegou-me aos ouvidos ontem no café que a "Câmara" pagou um autocarro para levar gente de Canedo à assembleia da Republica. (não era permitido ter menos de 18anos).
Pelo que me disseram foram recebido por deputados do PSD, num acto de pura propaganda politica.
Xeirinha, tu que es dessas bandas , tb foste?
" Não a apoio nem a deixo de apoiar, tenho a minha opinião mas não é dessa que venho falar mas sim de uma outra vertente da discussão."
a tua vertente é o bota abaixo de qualquer oposição ao PSD.
Tens lá opinião... a tua opinião é a dos que mais te convem, escolhida na altura.
Se calhar nem leste, nem ouviste, o discurso que a Lucia fez mas tens de dar o palpite.
Esta senhora pode ser comunista, podia ser socialista ou social democrata,o que interessa é que tem os valores que nunca tiveste e nunca terás.
Parabens Lucia
Eu comecei por dizer que o ´meu comentário nada tinha a vêr com o que a deputada comunista disse, mas o caro anónimo passou ao lado e passou ao insulto. O que sabe dos meus valores e quem é para me avaliar?
Não merece por isso resposta a sua dúvida, mas vá aos cafés de Canedo e é capaz de encontrar alguém que lhe dê resposta e até lhe tire esse bichinho da cabeça que se apanha muita nas conversas de...café. Mas se não quiser ir a Canedo vá aos das outras freguesias e pergunte se fizeram igual visita, ok?
Caríssima lux
Começo por lhe agradecer a amabilidade da sua resposta, mas até você desta vez me desiludiu, debitando a cassete.
Recordando a história,aquando da eleição da assembleia constituinte ninguém previa que você iria um dia nascer, já eu ia nos "entas"
Um deputado dessa época recebia de remuneração cerca de 20.000escudos/mês enquanto o salário minímo fixado em 1975 era de 3.300escudos/mês
Actualmente em Portugal, os deputados ganham 3708€ de salário base e têm direito a 10% do salário para despesas de representação.
Como também lhes são pagos abonos de transporte entre a residência
e São Bento uma vez por semana, e por cada deslocação semanal
ao círculo de eleição, um deputado do Porto, por exemplo,
pode receber mais 2.000€, além do ordenado.
De acordo com o "Manual do Deputado", os representantes do povo podem estar no regime de dedicação exclusiva e acumularem
com o pagamento de direitos de autor, conferências, palestras,
cursos breves, etc.
Com o fim da subvenção vitalícia irá abranger somente os deputados eleitos em 2009, os que perfaçam até ao final da legislatura 12 anos de funções (consecutivos ou intervalados) ainda a recebem, mas com menor valor.
Quem já tinha 12 anos de funções quando a lei entrou em vigor
- em Outubro de 2005 - terá uma subvenção vitalícia de 48%
do ordenado base - pelo actual valor, quase 1.850€ -
logo que completar 55 anos.
No caso dos comunistas eleitos para cargos públicos,
auferem o que ganhariam se exercessem a sua profissão
e o restante é entregue ao partido. A fórmula também se aplica ao abono de transporte.
O princípio é o deputado não ser prejudicado nem beneficiado
por exercer o cargo.
Sim é verdade "bem recentemente, o pcp apresentou vários projectos sobre incompatibilidades...",
mas sómente porque agora a nau já mete àgua por todos os lados.
Quanto ao olhar para si (com o devido respeito), prefiro olhar para a sua carinha laroca em vez dos seus pés.
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